A Quaresma é um tempo do ano litúrgico que nos
prepara para o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus. Para que
não seja “mais uma”, apresentamos sete princípios para viver a Quaresma
de modo especial, tal como é o intuito pastoral.
1- Rezar com o Senhor:
Como posso viver uma relação se não me relaciono? Santa Teresa de Jesus
escreveu que «rezar é falar com Deus», é estar com Ele, escutar o que
Ele tem para me dizer e dizer-Lhe, literalmente, o que me vai na alma.
Como se reza? Já os discípulos fizeram essa pergunta a Jesus, e Ele
ensinou-lhes o Pai Nosso. Também disse que se reza em segredo, a sós com
Deus, e para sermos como as crianças: simples e verdadeiros.
Reza diariamente é a primeira tarefa para viver a sério esta Quaresma.
Se rezarmos como o Senhor e com o Senhor, a oração terá um valor maior,
pois como diz Santo Agostinho, «Jesus Cristo, o Filho de Deus, é o mesmo
que ora por nós, ora em nós e recebe a nossa oração».
2- Fazer Jejum:
Fazer jejum implica que eu seja vigilante com o meu consumo, o que por
sua vez implica renunciar não apenas ao excedente, mas também ao que me
faz falta. O jejum ou renúncia pode ser material, como os alimentos ou
dinheiro, mas também pode ser de maus pensamentos, maus actos e más
palavras. O Papa São Leão Magno (séc. IV) dizia que «no estádio do jejum
não nos limitemos a pensar que baste praticar a abstinência dos
alimentos; é muito pouco diminuir o vício da carne, se não se nutrir a
fortaleza do espírito; afligindo-se um pouco o homem exterior,
reforça-se o interior».
Só assim os frutos do jejum serão as experiências de partilha. Se
prescindimos, podemos dar. Renunciar a gastar dinheiro para depois o
armazenar para mim, poupando, não será uma verdadeira renúncia. Se com o
meu acto eu poder ajudar quem mais precisa, então estou a fazer a
verdadeira renúncia, ligando-a a um gesto de caridade.
3- Dar esmola:
Esmola é uma palavra em desuso. Trata-se de uma palavra que provém do
grego, cujo significado é piedade, misericórdia, compaixão. Ora, ter
compaixão pelo outro é mais do que um sentimento nobre. Ter compaixão
significa que o outro é alguém com valor e dignidade, e do qual sou
próximo. Por isso me devo aproximar dele, elevá-lo, ajudá-lo. Dar esmola
é sobretudo dar por amor. Não é ser solidário nem fazer
“caridadezinha”, ou seja, não é dar porque é correcto ou por que fica
bem. Não. Dar esmola é praticar a misericórdia, agir na caridade. Em
suma, a Si mesmo dom por nós. Que gratuitamente ofereceu a Sua vida – e
Ele podia ter escolhido fazer tantas outras coisas. Ao dar esmola, não
nos apeguemos á imagem da moeda ofertada, mas é imagem do rosto de Jesus
no outro.
4- Retirar-me a sós:
Procure e aproveite as propostas de retiro na sua diocese, paróquia ou
movimento. O retiro é um momento de pausa em que na companhia de Deus
olhamos para a nossa vida. «Sou eu quem conduz a minha vida, é a minha
vida que me conduz a mim?», perguntava em tom de desafio o padre jesuíta
Luís Rocha e Melo, no livro Se tu soubesses o dom de Deus. Ele
continuava: «Sou pessoa livre que sabe o que quer e discerne o
essencial, ou sou como o tronco de uma árvore levado pela corrente do
rio?»
O tempo de retiro serve para sintonizarmos a nossa vida com a vontade de
Deus. É essencial para a humildade e despormos o espírito para
contemplar o Mistério da Cruz e da Ressurreição.
5- Penitenciar-me a Deus:
Diz-nos o Youcat Confissão que a confissão é semelhante à manutenção de
um automóvel. Quanto mais se adia ou prescinde, mais o automóvel se
deteriora até ao dia em que deixa de trabalhar. Se tratarmos bem o nosso
automóvel, porque não haveremos de cuidar da nossa relação com Deus?
Ele perdoa se nos aproximarmos do Seu perdão, e é necessário recusar o
pensamento de que a sós com Ele tudo se resolve. Nada acontecerá se não
dermos aquele passo em direcção à paz de Deus que pelo seu instrumento
que é o sacerdote Ele nos concede, se com coração contrito nos
aproximarmos d’Ele. Este é o momento certo.
6- Percorrer a Via-Sacra:
Em algumas localidades do nosso país, a Via-Sacra é realizada com todos
os adereços de vestuário, objectos, maquilhagem, relembrando os
intervenientes do relato da crucificação de Jesus. Tudo isso é bom, mas
não fique pelas aparências. Cuide de conhecer o texto. Esteja atento a
cada ponto de oração. Mais do que recordar, a Igreja realiza a Via-Sacra
lado a lado com Jesus, trazendo-a para o presente e percebendo o seu
sentido hoje. Dietrich Bonhoeffer, pastor luterano morto pelos nazis na
Segunda Guerra Mundial dizia que «os caminhos de Deus são os caminhos
que Ele próprio percorreu e que nós agora temos de percorrer com Ele».
Isto é verdade na celebração da Via-Sacra e também no quotidiano de
todos os dias.
7- Celebrar o Tríduo Pascal:
O Tríduo Pascal é o momento mais importante de todo o ano litúrgico, por
isso a participação em todas as suas celebrações é fundamental. Reserve
desde já esses dias e faça por respeitar essa reserva.
De facto, é para o Tríduo Pascal que tudo converge. A Paixão de Jesus, a
Sua morte e ressurreição são os pilares autênticos em que a nossa fé
assenta. «Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé», escreveu São Paulo
aos Coríntios. Com Jesus o Filho de Deus, que se dá na Eucaristia, Ceia
do Senhor, na Quinta-Feira Santa, aprendemos que o silêncio da morte de
Sexta-Feira Santa é o momento indispensável para que a verdadeira luz
da fé comece a brilhar aos nossos olhos. Na vigília pascal, madrugada do
Domingo de Páscoa, a noite dá lugar ao dia, e a ressurreição de Jesus
dá lugar à Vida em abundância. Não celebrar estes acontecimentos é não
compreender o significado do cristianismo.
QUARESMA
40 dias para percorrer com a Renascença