Quem viaja dos lados do Ramo Grande, principalmente a pé, sente que a Igreja da Serreta se eleva num alto que quase toca o céu. O último esforço feito pelos peregrinos para tocar esse quase-céu tem, no coração daqueles que puseram os pés ao caminho, um rosto e um nome: Maria, Nossa Senhora dos Milagres. Muitos por desporto, muitos por milagres; muitos por devoção, muitos por costumes; muitos são os que rumam à Serreta nestes dias. Tudo pela Senhora dos Milagres. Tudo porque sentiram, na vida de cada dia, principalmente quando os dias desta vida são tecidos de dor, aflição, tribulação, perigo, a presença materna e carinhosa de Maria; sentiram o milagre.
Mas o que é um milagre? São João da Cruz, carmelita descalço do século XVI, numa das suas magistrais obras, Subida do Monte Carmelo, escreve: “Não é próprio de Deus que se façam milagres. Quando os faz, a mais não poder os faz.” (3S 31,9). Ou seja, os milagres são como o último recurso de Deus: quando nenhum dos outros meios resultou, o último meio que resta a Deus é o milagre.
Isto dá muito que pensar. Muitas vezes, achamos que os milagres nos acontecem são a maior prova da presença de Deus na nossa vida. Se calhar, andamos cegos e surdos de coração. Se Deus, pelas mãos de Maria, faz-nos um milagre, é porque, se calhar, nós não soubemos compreender ou acolher todos os outros meios normais que Ele tem para dizer-nos que nos ama.
Não é cada sol que nasce no horizonte um sinal da presença de Deus, que nos dá uma nova oportunidade de ser felizes? Não são as pequenas surpresas do dia-a-dia, as pequenas coisas belas que nos fazem sorrir, um pequeno Evangelho de Deus? Não é cada pessoa da nossa família, com os seus problemas e limitações, um presente de Deus para que possamos percorrer o caminho da vida acompanhados? Não é a comunidade cristã a certeza de que é possível viver o amor no meio do nosso mundo? Não é a Palavra de Deus a resposta maior a todos os momentos da nossa vida? E não é o Sacramento da Eucaristia a certeza maior de que Ele está connosco todos os dias?
Mas, muitas vezes, andamos surdos e cegos para ouvir e ver o Deus que nos procura, que anda à nossa procura como o pai que procura o filho que perdeu no meio de uma festa ou de um grande ajuntamento de gente. Deus procura-nos, quer estar connosco. Jesus é o rosto desse Deus que nos procura, que anda atrás de nós a ver se nos encontra. Melhor: Deus anda à procura de que O aceitemos na nossa vida, que façamos d’Ele a nossa felicidade, que vivamos com Ele e a partir d’Ele as coisas mais belas da nossa vida. Porque Deus está mais próximo de nós do que qualquer outra coisa ou pessoa; Deus está mais próximo de nós do que nós mesmos.
Então, quando nenhum desses meios que Deus tem funciona, e quando Ele nos vê em situação de perigo, não tem outro remédio para continuar a chamar-nos do que fazer algo que notemos que foi feito por Ele. Ou seja, um milagre. E que melhor meio pode ter Ele do que conceder-nos que esse milagre aconteça por intercessão da Nossa Mãe do Céu, por meio daquela Mulher que nos encanta, que nos embala, que é para nós a certeza da ternura divina?
Para todos os terceirenses, a festa de Nossa Senhora dos Milagres é um aviso importante: vê como Deus anda à tua procura! Se notaste na tua vida um milagre, fica a saber que esse foi o último recurso que Deus teve para te fazer “entrar-pelos-olhos-dentro” que está próximo de ti, que está “doido” para viver uma amizade contigo, que quer ser o n.º 1 da tua vida, que quer apenas fazer-te bem.
Que Nossa Senhora dos Milagres nos abra os olhos, os ouvidos e o coração.
Renato Pereira - F. da Ordem dos Carmelitas Descalços
Nossa Senhora dos Últimos-recursos-do-Amor-de-Deus (Milagres), rogai por nós!
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